domingo, 13 de janeiro de 2013

Salomão Sousa Safras












Salomão Sousa apresentando uma antologia binacional Brasil-Argentina durante a Pré-Bienal Internacional de Brasília,
auditório da Biblioteca Nacional de Brasília, 14 e 15 de outubro de 2010. Foro: Ivan Malta




SAFRAS
Salomão Sousa
 
No primeiro ano de casado,
a roça deu maravilhas.
Deu o que plantou
e o que não plantou.
O arroz, a taioba, o joá na queimada.
 
E assim nos próximos cinco anos
até que o quinto filho nasceu.
Daí a roça se afastou
para os matos de mais longe.
 
Quando os cambitos dos filhos
deram para afinar
e ficar descobertos,
o mato de dar de comer
acabou.
Teve que repetir na terra de antes.
 
A plantação para o nono filho
não vingou.
Agora, no décimo filho,
nem mesmo plantou.
 
 
(Poemas inéditos, publicados em 3/2/2006)


●•
Muitas coisas paralelas
e eu uma delas
Talvez eu fosse o canário
a janela
e tanto não me abro
e tanto não me amarelo


●•
Acende as prontas palhas
ouro sólido escorre pelas calhas
e ergue-se o desengano em outras praias
pensa campos e nuvens e oásis
e deixa falhas frestas faias
e vai anoitecer em outras florestas
em baías sem ancoradouro às cascas às naus
e depois de alegrar poças com outras luas
de brilhar espantalhos em outras touças
a tempestade retorna aos desertos
ameaça minhas tortas tralhas
e volta sem os corais do repouso
em meus dias de trapaças lodaçais
não varre o alcatrão de meus beirais
espalha o amor onde o sol trabalha.



●•
Esqueceu o vértice de uns ombros,
da prata de uns umbrais. 
Da possível palmatória na hora do crime,
das algas já em águas claras.

Não se lembrou do instante de inclinar
a palavra — a palavra que liberta o escravo.
Esqueceu de enfiar outra saliva
na travessia de uns umbrais.

Abandonou o sopro
se achou florida a calêndula.
Diante do que dizer,
deixou-se escrava nas escarpas.

Fiquem incompletas a fendas da fala.  


●•

Viajei. Vi homens no luxo
Vi crianças no lixo
e no lixo tropecei
Roupas lavadas próximas aos meus passos
e o que encobria úmida
podia ser relva, pedra ou trevo
Nas seis manhãs
as roupas estendidas nas calçadas

Viajei. Vi casais que quase se abraçavam
As sete pontes, algumas de ferro recortado
no estrangeiro
Vi mulheres a sós com os filhos
se sentindo alienígenas
Não pude ver os ausentes companheiros
Não pude ver as freiras recolhidas
e a zabumba a ensaiar o próximo frevo

Viajei. Senti este cheiro de homem
Fezes. Este cheiro ejaculado.
Vestido de passado
comi as minhas sete refeições
bebi os meus sete cálices
Não estive próximo à arma do tiro
Ao morto não levei luto nem mortalha

Viajei. Vi e apalpei
E se acreditei foi pela flor agreste
Foi pelo tremeluzir das luzes sobre as fezes

●•
E se todos decidíssemos pela ausência?
Ficássemos quietos sem nenhum verso
os peixes secos
esquecidos na travessa

Ficássemos com as nádegas mofadas
capim assim torrando
sem que viessem os bafos das bocas
terras férteis sem chuva que as amoleçam

Fôssemos as histórias perdidas
se não vêm quem as ouça
e outro que nunca soube
do encontro que trouxemos tão perto

Estivéssemos onde nenhum herói aparece
nas esquinas onde os homens
não sabem qual será a conversa
Sermos a lua dispersa
o sol que não está mais no universo

Trava que se quebra
e nenhum rosto avança na fresta
Fôssemos o que ria
entre os olhos que padecem
quando fossem as quedas dos planetas
dos rubis adversos

 

SALOMÃO SOUSA, POETA GOIANO - ENTREVISTA com ANTONIO MIRANDA - Brasilia, 2010
fala sobre poesia contemporânea - poesia neobarroca - poesia de invenção - Videomaker: Nildo Barbosa Moreira

POETAS EM SILVÂNIA


Os poetas Salomão Sousa e Antonio Miranda em um beco antigo de Silvânia, Goiás, terra natal de Salomão. Foto de Robson Corrêa de Araújo, julho 2007

 












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